segunda-feira, 11 de agosto de 2014

OUTROS ESCRITOS – OPINIÃO: Adaptações de clássicos literários... Quero não!

Por que insistem em nos tirar o prazer da sutileza e do estilo original?

Machado de Assis: ler o original ou a adaptação?


Quando eu tinha oito anos, o aparelho de televisão da minha casa pifou. Na época, o Plano Collor estava no auge; então, entre uma carne de primeira e a nova novela das oito, ficamos com o filé. Sem entretenimento visual, restou o rádio. Imaginem as minhas férias... Pois é. Nessa idade eu já gostava de ler; na estante da sala, os livros infantis eram basicamente contos de fadas – aquela coletânea “... E Outras Histórias Bonitas”, lembram? – que li e reli até cansar. Sabia de cor os contos da coleção da Editora Vecchi... Revista em quadrinhos então, li demais. Quando também cansei da Turma da Mônica e do Zé Carioca, passei para os demais livros da estante. E o primeiro que peguei foi “Dom Casmurro”. Sim, minha gente. Li Machado de Assis – e sua enigmática Capitu – aos nove anos.

Detalhe: o livro, de capa amarela, com a foto do autor estampada, era bem grosso. Não desanimei e li assim mesmo. Com a minha mãe no meu ouvido dizendo “esse livro não é pra ti!”, devorei a história de Bentinho e Capitu em poucos dias. Algumas palavras eram difíceis, claro; nada que um dicionário não pudesse resolver. E entendi completamente o enredo, à minha maneira, óbvio; na minha cabeça, o romance se resumia assim: duas crianças, o menino que devia ser padre, mas não foi porque casou com a amiguinha, porém, como viviam brigando, se separaram, porque o menino começou a achar que a menina na verdade gostava do ex-colega dele dos tempos de seminário, que é onde os padres estudam. Aí fica velho, o filho dele morre, e ele termina o livro infeliz e ainda rancoroso. Fácil, fácil, para uma menina de nove anos.

Porém, como o inferno são mesmo os outros, há quem ache que os clássicos literários de nosso Brasil varonil precisam ser adaptados para uma “linguagem mais fácil” a fim de que as crianças e jovens possam entendê-los. Em outras palavras, os defensores das adaptações, mesmo não afirmando isso, acreditam que a meninada não tem inteligência suficiente para compreender a ironia, a sutileza e o estilo de Machado de Assis. Como se os resumos da internet já não fizessem estrago suficiente, os caras lá do alto encomendam uma adaptação de “O Alienista” para chamar a atenção do público jovem, que ultimamente anda bebendo na fonte das produções estrangeiras. Pela minha experiência com adaptações de clássicos – “Os três mosqueteiros”, “Romeu e Julieta”, até “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, também de Machado – eu posso atestar, com toda a certeza, de que esse povo está dando um tiro no próprio pé.

Essa teoria de que uma adaptação pode levar o leitor a ler a obra original não é inteiramente verdade. Isso porque uma obra clássica adaptada SOFRE com a diluição do vocabulário. Um exemplo? “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, uma das obras mais adaptadas que já vi. O resultado geralmente é enfadonho, que desestimula a leitura do original, pois Carroll tem uma linguagem toda própria, que nenhum adaptador consegue reconstituir – até mesmo Walt Disney sentiu dificuldade, e acabou por preferir recriar apenas a atmosfera, pontuando as falas originais aqui e ali na animação de mesmo nome.  Se uma parte do público não gostar da adaptação, é ÓBVIO que transferirá o sentimento negativo para a obra, afastando-se dela, e isso é uma perda que ninguém quer sofrer. Se querem tanto que a juventude se aproxime da Literatura, deveriam investir na Infanto-Juvenil, nos Contos de Fada, em Monteiro Lobato, Thalita Rebouças. Tornar os clássicos “mais fáceis de ler”, na minha visão, é mexer no cânone e isso é um pecado imperdoável. Tirar dos leitores, dos NOVOS leitores, a essência de Machado de Assis em prol do “bom entendimento” é subestimar a inteligência dessa geração que cresceu lendo Harry Potter e todos aqueles neologismos que, francamente, eram um desafio à mente e à imaginação.

Em tempo: depois de Machado de Assis, li Alencar, Macedo, Pompeia, Quintana, Bandeira, Camilo Castelo Branco, e outros autores clássicos, todas obras originais. Amava “Senhora”, “Amor de Perdição”, “A Moreninha”, me surpreendi com “O Ateneu”, me encantei com “Nariz de Vidro” e adorei “Estrela da Manhã”, e em nenhum deles senti dificuldade de compreender. Só fui descobrir a Literatura Infanto-Juvenil aos quinze anos, com Marcos Rey e Pedro Bandeira. Por isso mesmo, eu volto a afirmar: adaptações são um desvio que não se deve tomar, porque desrespeitam o cânone literário e subestimam a inteligência do público. Nada contra os adaptadores, estão fazendo o trabalho pelo qual foram contratados, mas nenhum deles chegará a alcançar o nível de ironia e sutileza ácida de Machado de Assis ou de qualquer outro escritor da Literatura Mundial. E isso, meus caros, é usurpar do leitor o prazer da discrição que um tapa com luva de pelica, tão característica do estilo machadiano, dá a cada página escrita pelo Bruxo do Cosme Velho. Entre alienistas e alienados, fiquemos com o original, que é muito mais explícito nas entrelinhas que muito discurso politicamente correto por aí. Fui clara?

6 comentários:

  1. Também acho que essa gente na verdade julga o leitor um imbecil, que não consegue entender as palavras e nem o contexto histórico. Mas por outro lado adaptações de clássicos podem ser bem positivas, a primeira vez que eu li ''O morro dos Ventos Uivantes'', ''A revolução dos Bichos'' e alguns contos de Edgar Allan Poe foi justamente de uma coleção infanto juvenil. Mas também acho que o amor pela Literatura nasce em algumas pessoas, enquanto outras não curtem tanto ler livros. Pelo menos pra mim é uma paixão.

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    1. Primeiramente, obrigada pelo seu comentário. Quanto ao teor de sua resposta, o meu ponto é que as adaptações, muitas vezes, se passam pela obra, e a pessoa que a lê acaba não tendo a oportunidade de ler a obra original porque, como afirmei no texto, a linguagem é considerada rebuscada demais. Há obras cujas adaptações mantém sua essência, outras simplificam demais e acabam se perdendo. Se o professor quiser utilizar as adaptações em sala de aula, deveria fazê-lo apresentando também a obra original, para que os alunos possam ter contato com ambas as produções e escolher aquele que lhe apetecer. Agradeço a presença! ;)

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  2. Véi...
    Você eu Dom Casmurro aos 9 anos.. O_O

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  3. Li sim! E depois dele li "A volta ao mundo em 80 dias" do Júlio Verne, que era da mesma coleção. Infelizmente, porque nos mudávamos muito, os livros acabaram se perdendo. Mas me lembro até hoje da capa amarela, com o título "Clássicos da Literatura".

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  4. Acontece que você estava disposta a ler, sabendo que grande parte não iria absorver de imediato. Incomum na sua geração, que teve outras formas de entretenimento fácil. Com a NET então... Parabéns!

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